Bandonga

Bandonga, também dita Banda ou Bandua[1] era uma deusa protectora dos Celtas Lusitanos, será provavelmente um aspecto feminino da divindade Band ou Bandus,[2] por sinal uma divindade protectora, associada ao domínio das regras e da ordem, bem como das ligações e laços entre os homens, em sentido lato.[3][4]

Análise arqueológica e antropológica

É importante assinalar, desde já, que, na Hispânia, eram muito abundantes os teónimos indígenas, derivados do étimo Ban, de onde provêm cerca de 48 dedicatórias (excluindo aquelas desprovidas de teónimo, nas quais figuram apenas epítetos representativos da divindade), incluindo a inscrição em língua lusitana de Arronches.[5][6]

Problema da nomenclatura

Não se conhece com segurança o nominativo concreto deste teónimo, que apresenta diversos dativos diferentes, nomeadamente Bandi, Bandei, Bandue, Banda, Bandu, Bandoge, Bangonga.[7][8] [9] Porém, esta divindade surge por vezes designada como Banda, “por uma questão de facilidade e por nos parecer que essa poderá ser a designação mais geral”, conforme é sugerido por José d'Encarnação.[9]

Etimologia

Tese dos "deuses que atam"

Há uma tese proposta no século XIX, por Holder, que avança que a etimologia desta divindade resultará da raiz etimológica Band-(derivada do indo-europeu bhenelh-), a qual significaria literalmente «atar; vincular» e figuradamente «ordenar», «mandar» ou «proibir». Embora não seja uma tese consensual entre todos especialistas na matéria, esta tese conheceu bastante corroboração ao longo dos tempos, exemplos disso são autores como: Leite Vasconcellos, na sua obra «Religiões da Lusitânia»[1][10]; Michelena[11] , na sua obra «Religiones primitivas de Hispania», 1961; Hoz, na sua obra «Religiões da Lusitânia – Loquuntur Saxa», de 2002[12]; J. M. Garcia, na obra «Religiões antigas de Portugal. Aditamentos e observações às “Religiões da Lusitânia” de J. Leite de Vasconcelos, de 1991, entre outros[13].

Mais precisamente, foi sugerida a correspondência de Bandue/Bandi, na área lusitano-galaica.[14] [15]

Tese dos deuses dos caminhos

Mas há, no entanto, contrateses. Por exemplo, Blanca Prósper [16] considera inviável a maioria destas perspectivas focadas na ideia do “deus que ata”, pela sua ênfase na identificação da raiz de Bandue/Bandi, de onde partem para a justificação do seu significado, ignorando a sua morfologia de tema em -u; propondo, então, a derivação do tema *bandu- de um nome de acção *g em-tu-, “passo”, visto que «la mayoría de los temas indoeuropeos en *-u- está constituida precisamente por nombres de acción en *-tu-“ [17]». Esta forma *gw em-tu- poderá referir-se à divinização do acesso a uma realidade geográfica protegida dos inimigos, pelo que Bandue/Bandi poderá ser entendida como uma divindade da passagem/caminho, exercendo uma acção asseguradora do tráfego de bens e pessoas[18].

Funções

Divindade que ata

Assente na primeira tese etimológica, Bandua ou o seu aspecto masculino Band, por sinal até mais comum, será uma divindade protectora.Bandua deverá ser uma das únicas divindades indígenas hispânicas à qual é atribuível um papel especificamente tutelar e protector, seja dos locais, daí a multiplicidade de epítetos dativos que depois assume conforme os locais em que se têm encontrado as suas aras, seja étnicos, como divindade protectora dos lusitanos, enquanto povo.[19] [20][21]

Bandonga é especialmente conhecida, exactamente, por virtude de uma inscrição de uma ara, que contém uma referência a um sujeito de nome “Celtius”, podendo, sem embargo, estar a referir-se não tanto ao nome próprio do defunto, mas antes ser uma denominação étnica, ou seja, «Bandonga dos Celtas», o que quadra também com as teses que se sustentam a respeito da origem céltica do culto de Bande, que se terá alastrado vindo do Norte até ao Sul do território da Península Ibérica.[22][1]

Por esta óptica, os deuses em cujos nomes ocorre a dita raiz teriam o carácter de senhores e donos (tutelares) dos lugares onde eram venerados e, por conseguinte, protectores da gens (gente; povo) que neles habitava (denominada pelos epítetos que amiúde sucediam o nome da divindade).[2][10]

Divindade dos caminhos

Assente na tese etimológica advogada por Blanca Prósper, Bandua ou Bandi poderá ser entendida como uma divindade das passagens, dos trilhos e caminhos, cumprindo, dessarte, uma acção favorecedora e protectora dos peregrinos, caminhantes e viandantes, que circulavam nas estradas, bem como dos seus bens.[18]

Origem e extensão geográfica do culto

Na Hispânia, eram muito abundantes os teónimos indígenas, derivados do étimo Ban, de onde provêm cerca de 48 dedicatórias (excluindo aquelas desprovidas de teónimo, nas quais figuram apenas epítetos representativos da divindade), incluindo a inscrição em língua lusitana de Arronches.[5][6]. Assim sendo, entende-se que este culto terá gozado de considerável representação na Hispânia.

Destaca-se, naturalmente, a Lusitânia na procedência de documentação epigráfica, com cerca de 32 inscrições, das 48 totais, tendo as sobejantes 16 sido descobertos na região Tarraconense. Contudo, na opinião de Blanca Prósper[23], segundando a tese de J. M. Garcia [24] uma dessas inscrições incluídas no conjunto lusitano, seria na verdade oriunda do Norte de Portugal, tendo sido presuntivamente trazida para Alenquer historiadores do século XIX.[25]

Todavia, se contarmos também as epígrafes desprovidas de teónimo, o número de exemplares de inscrições já aumenta para os 52, contando-se entre estas os epítetos:[3][25]

  • Isibraegui (Guarda) e variantes gráficas Issibaeo (Coimbra) e Esibraeo(Idanha-a-Nova);
  • Tueraeo (Aveiro);
  • Vortiaeci (Castelo Branco)
  • Roudeaeco (Cáceres)

Tudo dá a entender que o culto desta divindade, muito provavelmente, terá alastrado de Norte para Sul rumo à Lusitânia, o que, em rigor, é característico também de grande parte das divindades indígenas do Ocidente hispânico [23]. Esta convicção estriba-se, parcialmente, na ocorrência dos epítetos sem teónimo apenas na epigrafia lusitana, o que se crê ser indicativo de uma maior personificação do culto e um sinal do cariz tutelar de Bandi, o que faria com que fosse menos necessária a menção da divindade. A isto, alia-se, ainda, o facto de Bandue, que se mostra como grafia típica da zona a norte do Douro, se tratar de um modo de denominação desta deidade com aspecto mais arcaico [26]. Portanto, são tidas como mais recentes as grafias próprias do Ocidente do território actualmente português, como Bandei/Bannei e Bandi.[27][10]

Destarte, não se pode dizer que Bandua/Band se trate, estrita e originariamente falando, de uma divindade tipicamente lusitana, seria antes um culto que foi adoptado pelos Lusitanos ocidentais dos povos que viviam a norte do Douro. [28]

Locais arqueológicos

São conhecidas aras dedicadas[3][10]:

  • a Banda Oilienaicus (Esmolfe, Penalva do Castelo);
  • a Bande Raeicus (ara descoberta em Santa Marinha de Ribeira de Pena);
  • a Bande Velugo Toiraecus (ara oriunda da região de Vila da Feira);
  • a Bandi Isibraiegus (Bemposta);
  • a Bandei Brialaecus (Arjais);
  • a Bandi Arbariaicus (inscrição, proveniente de Capinha);
  • a Bandi Tatideaicus (ara de granito encontrada em Queiriz);
  • a Bandu Vordeaeco (aras de Meda e da capela de Nossa Senhora da Ribeira, em Carrazeda de Ansiães);
  • a Bandoge (ara em granito recolhida, no ano de 1890, em Castelo do Mau Vizinho);
  • a Bandua (inscrição encontrada na ermida de Nossa Senhora de Hebra, Cova da Lua, Bragança).

Aspecto feminino

A concepção de Bandua, como um aspecto ou variante feminina de Bandus, conheceu resistência, dentre os estudiosos durante algum tempo. Porém, conforme Patrícia Stempel assinala na sua obra «Los formularios teonímicos, Bandus con Bandua», há representações femininas desta divindade, encontradas na pateira de Badajoz e na inscrição de Cabeço das Fráguas, bem como se encontram noutros pontos arqueológicos, destacando-se ainda os achados de Lacóbriga.[29]

Não quer isto dizer que se tratem de divindades diferentes, apenas que são aspectos ou manifestações diferentes da mesma divindade.[30] A autora também sustenta que, embora não se tenha a certeza absoluta, parece ser mais provável que a variante masculina da divindade tenha aparecido primeiro. Também salienta que os pares masculino-feminino das divindades celtas eram comuns, e dá os exemplos de Bormanos e Bormana, Belisama e Belisamaros, Camulorix e Camuloriga, Metrios e Rosmerta.[31]

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Referências

  1. a b c VASCONCELOS, José Leite (1985). Opúsculos, v. 5. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda. p. 229-231 e 237. 456 páginas 
  2. a b STEMPEL, Patrizia de Bernardo (2003). Los Formulario teonímicos Bandus com su correspondiente femenino Bandua y unas isoglosas célticas, in Conimbriga, v. 42 (PDF). Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. pp. 197–212 
  3. a b c Gandra, Manuel J. (2007). Portugal Sobrenatural: Deuses, Demónios, Seres Míticos, Heterodoxos, Marginados, Operações, Lugares Mágicos e Iconografia da Tradição Lusíada. Barreiro: Ésquilo. p. 478. 538 páginas. ISBN 978-989-809-218-2 
  4. BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria (1962). Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas. p. 51-55. 286 páginas 
  5. a b Búa 2000, pp. 37.
  6. a b Prósper 2002, pp. 266-68.
  7. Hoz 1986, pp. 39.
  8. Buá 2000, pp. 39.
  9. a b Encarnação 1987, pp. 12.
  10. a b c d Vasconcellos, José Leite (1991). Religiões da Lusitânia II. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda. p. 316-317, 321 e 337s. 382 páginas 
  11. Michelena 1961, pp. 200.
  12. Hoz 2002, pp. 45-52.
  13. Garcia 1991, pp. 200.
  14. Ribeiro 2010, pp. 42.
  15. Silva 1986, pp. 295-96.
  16. Prósper 2002, pp. 271-72.
  17. Prósper 2002, pp. 272.
  18. a b Prósper 2002, pp. 274-75.
  19. Búa 2002, pp. 61.
  20. Encarnação 1975, pp. 141.
  21. Encarnação 1987, pp. 10.
  22. CORTEZ, F. Russell (1956). Divinités des Pyrenées et du Portugal - Actas do Congresso Internacional de Ciências Pré e Proto-históricas. [S.l.]: Actas do Congresso Internacional de Ciências Pré e Proto-históricas. p. 974 
  23. a b Prósper 2002, pp. 258.
  24. Garcia 1991, pp. 292.
  25. a b Monteiro Teixeira, Sílvia (2014). Cultos e cultuantes no Sul do território actualmente português em época romana (sécs. I a. C. – III d. C.). Lisboa: UNIVERSIDADE DE LISBOA - FACULDADE DE LETRAS. p. 76-79. 387 páginas 
  26. Prósper 2002, pp. 273-74 e 280.
  27. Búa 2000, pp. 38-39.
  28. Búa 2000, pp. 58.
  29. STEMPEL, Patrizia de Bernardo (2003). Los Formulario teonímicos Bandus com su correspondiente femenino Bandua y unas isoglosas célticas, in Conimbriga, v. 42 (PDF). Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. pp. 197–212  «Pese a la rotunda negación por algunos autores de que haya existido una diosa BANDUA, la pátera de Badajoz nos muestra una divinidad iconográficamente femenina; y no tenemos por qué excluir que sea una divinidad igualmente femenina la que se venera en las dedicaciones con el morfema latino de dativo singular de los temas en -a»
  30. Encarnação 1975, pp. 139.
  31. STEMPEL, Patrizia de Bernardo (2003). Los Formulario teonímicos Bandus com su correspondiente femenino Bandua y unas isoglosas célticas, in Conimbriga, v. 42 (PDF). Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. pp. 197–212  «De todo esto cabe concluir que exactamente como en el caso de los dobletes de dioses célticos BORMANOS y BORMANA, BELISAMA y BELISAMAROS, CAMULOS/CAMULORIX y CAM(U)LORIGA, MERTRIOS/MERTRONNOS y ROSMERTAestamos en presencia de un teónimo formalmente masculino (BANDUS) y de su correspondiente femenino (BANDUA)» e «(...)parece sin embargo más probable que la forma gramatical originaria del teónimo fuese un masculino y que la variante en femenino se generase en un estadio posterior (como en el caso de BORMANA) por dos razones: 1) Bandu-a – corresponde morfológicamente a la moción femenina de un masculino *Bandus14 y 2) para el masculino se atestigua todavía la forma de dativo prerromana.»

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Bibliografia

  • Michelena, L. (1961). Religiones primitivas de Hispania (reseña de J. M. Blázquez, 1962). Salamanca: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Delegación de Roma, 1962. 286 páginas 
  • HOZ, Jesús de (2002). Religiões da Lusitânia –Loquuntur Saxa. Lisboa: Museu Nacional de Arqueologia. 150 páginas 
  • HOZ, Jesús de (1986). La religión de los pueblos prerromanos de Lusitania– Manifestaciones religiosas en la Lusitania. Primeras Jornadas. Cáceres: Publicaciones de la Universidad de Extremadura/Departamento de Ciencias de la Antigüedad. 131 páginas. ISBN 84-600-4687-7 
  • Garcia, J.M. (1991). Religiões antigas de Portugal. Aditamentos e observações às “Religiões da Lusitânia” de J. Leite de Vasconcelos. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. 682 páginas 
  • García, Blanca (1990). Guerra y religión en la Gallaecia y la Lusitania antiguas. A Coruña: Ediciós do Castro. 421 páginas. ISBN 847-492-475-8 
  • García, Antonio (1967). Les Réligions Orientales dans l’Espagne romaine (Études préliminaires aux religions orientales dans l'empire romain, 5). Leiden: Brill. 193 páginas. ISBN 978-900-429-568-1 
  • Encarnação, José d' (1973). Banda, uma importante divindade indígena. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. 256 páginas 
  • Encarnação, José d' (1987). Divindades indígenas da Lusitânia (PDF). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. 35 páginas 
  • Encarnação, José d' (1975). Divindades indígenas sob o domínio romano em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda 
  • Encarnação, José d' (1978). Introdução ao estudo da epigrafia latina(Cadernos de Arqueologia e Arte, 1). Coimbra: Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras de Coimbra 
  • Búa, Juan Carlos (2000). Estudio lingüístico de la teonimia lusitano-gallega. Salamanca: Universidad de Salamanca 
  • Búa, Juan Carlos (2002). Topónimos e teónimos no Ocidente hispânico. Lisboa: Museu Nacional de Arqueologia 
  • Prósper, Blanca (2002). Lenguas y Religiones Prerromanas del Occidente de la Península Ibérica. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca. 518 páginas. ISBN 847-800-818-7 
  • Ribeiro, J. C. (2010). Algumas considerações sobre a inscrição em “lusitano” descoberta em Arronches. Zaragoza: Palaeohispanica. 191 páginas 
  • Silva, Armando Coelho (1986). A cultura castreja no Noroeste de Portugal (PDF). Paços de Ferreira: Museu Arqueológico da Citânia de Sanfins. 350 páginas 
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